A GUERRA CIVIL AMERICANA

A Guerra de Secessão, ou Guerra Civil Americana, foi o conflito mais violento já travado no território dos Estados Unidos. Ocorrendo menos de 100 anos depois da sua independência...

Adriano Ferrera

8/31/20257 min read

A Guerra Civil Americana
O Mais Violento Conflito que Redefiniu uma Nação

A Guerra de Secessão, ou Guerra Civil Americana, foi o conflito mais violento já travado no território dos Estados Unidos. Ocorrendo menos de 100 anos depois da sua independência, o país, que se fundou sobre pilares de "liberdade, justiça e igualdade", carregava uma contradição central: a escravidão, que se tornaria a principal causa do sangrento embate que transformaria para sempre os rumos da nação. Naquele momento, cerca de 4 milhões de escravizados viviam no país, o que equivalia a um a cada sete americanos.

As Profundas Causas do Conflito

As tensões entre o Norte e o Sul eram resultado de profundas diferenças culturais e econômicas. Embora a escravidão fosse o motivo principal, a questão econômica e a autonomia dos estados também pesaram.

Diferenças Econômicas: O Norte, em plena industrialização, tinha uma economia diversificada com pequenas fazendas e trabalho assalariado. O Sul, por outro lado, dependia das grandes plantations, que utilizavam mão de obra escravizada, principalmente para a produção de algodão. A elite sulista via a escravidão como a única maneira de sustentar seu estilo de vida e não via a necessidade de investir em infraestrutura como ferrovias.

A Expansão e o Debate: Com a rápida expansão do país para o Oeste, o debate sobre se os novos estados seriam "livres" ou "escravistas" se intensificou. A doutrina do Destino Manifesto impulsionava a ideia de que os Estados Unidos estavam destinados a se expandir por toda a América do Norte, mas a cada novo território, a mesma discussão voltava à tona. O Compromisso de 1850 exigiu a devolução de escravizados fugidos mesmo se fossem encontrados em um estado livre.

O Estopim Político: A disputa sobre a autonomia dos estados e o poder do governo federal para intervir na escravidão se tornou uma questão legal central. Abraham Lincoln, um dos líderes do Partido Republicano, era publicamente a favor de evitar que a escravidão se expandisse, o que, para ele, a levaria a acabar naturalmente. Em novembro de 1860, Lincoln foi eleito, e os estados do Sul, temendo que ele tomasse medidas para abolir a escravidão em todo o país, decidiram não esperar sua posse.

O período conhecido como "Kansas Sangrento" (Bleeding Kansas) já mostrava a violência do embate. O ataque de John Brown em 1859 a um depósito de armas na Virgínia, com o objetivo de incitar uma rebelião, convenceu o Sul de que o Norte estava disposto a invadir.

A eleição de Lincoln em 1860, que venceu mesmo sem seu nome nas cédulas de votação em dez estados do Sul, foi o estopim final. Sete estados, começando pela Carolina do Sul, proclamaram sua secessão e formaram os Estados Confederados da América, com o senador Jefferson Davis como seu presidente. Eles afirmavam que a separação era para proteger os proprietários de escravos da "hostilidade dos estados não escravagistas".

O Início do Conflito e as Inovações Militares

A guerra começou em abril de 1861, quando as tropas confederadas bombardearam o Forte Sumter, na Carolina do Sul. Lincoln chamou 75 mil voluntários para lutar por 90 dias, pois a maioria acreditava que a guerra seria rápida. A meta foi atingida tão rapidamente que ele precisou requisitar mais tropas.

Ambos os lados tinham vantagens e desvantagens. O Norte contava com uma economia mais sólida, o dobro da população (22 milhões contra 5 milhões), quase 90% da produção industrial e uma rede ferroviária mais extensa. Já o Sul tinha militares mais bem preparados, como o General Robert E. Lee, e conhecia melhor seu próprio terreno. Apesar das tentativas de obter ajuda de outros países, a Confederação não foi reconhecida por nenhuma nação.

A primeira grande batalha aconteceu em Bull Run (Manassas), na Virgínia. A população da capital foi até lá fazer piqueniques, mas o brutal confronto, que resultou em quase mil mortos e mais de 2 mil feridos, revelou que a guerra seria longa e sangrenta. Foi ali que o militar confederado Thomas Jackson permaneceu firme em sua posição, ganhando o apelido de "Stonewall Jackson".

Forte Sumter Forte Sumter, perto de Charleston, Carolina do Sul, litografia de Currier & Ives
Forte Sumter Forte Sumter, perto de Charleston, Carolina do Sul, litografia de Currier & Ives
Primeira Batalha de Bull Run (Manassas), litografia de Kurz e Allison, 1889.
Primeira Batalha de Bull Run (Manassas), litografia de Kurz e Allison, 1889.

A Guerra Civil foi a primeira a utilizar ferrovias para transportar tropas e suprimentos, uma vantagem que a União soube aproveitar. As batalhas também trouxeram inovações tecnológicas. O uso do mosquete estriado, que tornava os tiros mais precisos, e dos fuzis de repetição dizimava exércitos em terreno aberto, levando à adoção da guerra de trincheiras, uma tática que seria marcante na Primeira Guerra Mundial 50 anos depois.

A Marinha foi palco de inovações como o uso de encouraçados (navios a vapor com armadura de metal) e o desenvolvimento de submarinos. O primeiro ataque bem-sucedido de um submarino a afundar um navio de guerra ocorreu em 1864, com o confederado H. L. Hunley afundando um navio da União no porto de Charleston. No entanto, o Hunley nunca retornou.

O conflito também foi marcado por histórias de bravura. O escravizado Robert Smalls, que trabalhava no porto de Charleston, roubou um navio confederado e o entregou à Marinha da União. Smalls se tornou um herói, serviu como piloto em 17 batalhas e, após a guerra, comprou a casa de seu antigo senhor e se tornou um dos primeiros homens negros a ser eleito para o Congresso.

Em 17 de setembro de 1862, ocorreu a Batalha de Antietam, o dia de conflito mais sangrento na história dos EUA, com 22.727 baixas. Embora tenha havido mais mortos da União, o resultado forçou a retirada do General Lee. O General Ulysses S. Grant, que liderava as tropas no Oeste, conquistou tantas vitórias que ganhou o apelido de "Rendição Incondicional Grant".

Pouco depois da Batalha de Antietam, Lincoln emitiu a Proclamação de Emancipação, que declarava a abolição da escravidão nos estados em rebelião e permitia que homens negros do Sul se alistassem no exército da União. Em 1863, Lincoln também autorizou que soldados negros pudessem se alistar, e estima-se que 10% do exército da União era formado por homens negros.

O ponto de virada definitivo da guerra ocorreu na Batalha de Gettysburg, em 1863. O General Lee, sentindo-se invencível, tentou uma invasão final ao Norte. A batalha de três dias envolveu 150 mil soldados e resultou em 50 mil baixas. A derrota de Lee foi devastadora, e ele jamais conseguiria chegar tão longe no território do Norte novamente.

Na reta final da guerra, a União, sob o comando de Grant, adotou uma estratégia de guerra total. O General William Sherman, em sua marcha pela Geórgia, atacou cidades e plantações, cortando o apoio dos civis ao exército confederado. A cidade de Atlanta foi conquistada, e na marcha em direção ao litoral, propriedades foram queimadas, plantações saqueadas e escravizados foram libertados.

Com o cerco a Richmond, a capital confederada, e o número de soldados em queda, a derrota se tornou inevitável. Em 9 de abril de 1865, Lee se rendeu a Grant na casa de Wilmer McLean em Appomattox Court House. A guerra foi oficialmente declarada encerrada em 20 de agosto, com o último exército confederado a se render sendo liderado pelo nativo americano Stand Watie.

O Ponto de Virada e o Fim da Guerra
As Consequências e o Legado da Guerra

O saldo da Guerra Civil foi de 600 mil a 800 mil mortos, mais do que em todas as outras guerras que os Estados Unidos participaram somadas. Outros 60 mil soldados perderam membros. Lincoln, que não viveu para comemorar, foi assassinado em 14 de abril de 1865 por John Wilkes Booth, um simpatizante confederado.

A escravidão foi abolida pela Décima Terceira Emenda, que entrou em vigor em dezembro de 1865. No entanto, os escravizados libertos não receberam nada além da liberdade. A riqueza do Sul, que estava investida nos escravizados, simplesmente "evaporou", e a população negra continuou a ser alvo de discriminação, com leis que estabeleciam a segregação racial em escolas, bibliotecas e até bebedouros. Essa discriminação só foi proibida pela Lei dos Direitos Civis de 1964 e a Lei dos Direitos de Voto de 1965, quase 100 anos após o fim da guerra.

O conflito também teve consequências internacionais. Enquanto o exército americano estava ocupado, a França invadiu o México e colocou o arquiduque Maximiliano no trono. Com o fim da guerra, a ameaça de uma intervenção americana no México aumentou, levando a França a retirar seu apoio e resultando na queda do império mexicano e no fuzilamento de Maximiliano.

Outra consequência, que beneficiava o Brasil, foi a imigração de cerca de 10 mil sulistas brancos, insatisfeitos com a derrota. Interessado em encorajar o cultivo de algodão, o imperador Dom Pedro II atraiu esses fazendeiros, que se instalaram principalmente na região de Campinas, São Paulo, onde ajudaram a fundar a cidade de Americana. Eles podiam continuar a usar mão de obra escravizada, já que a escravidão ainda não havia sido abolida no Brasil. Entre os descendentes mais famosos, está a cantora Rita Lee Jones.

A Guerra Civil deixou um legado duradouro no imaginário americano, sendo tema de mais de 60 mil livros e filmes como E o Vento Levou. Muitos veteranos se tornaram políticos, e cinco deles chegaram a ser presidentes. No entanto, o conflito que custou tantas vidas cimentou a união do país, mas deixou profundas tensões raciais e regionais que persistem até hoje.

Referências

Documentário: Civil War (1990), dirigido por Ken Burns

Guerra de Secessão dos Estados Unidos - Canal A História Não Contada